quinta-feira, novembro 25, 2010

Em Memória de W. B. Yeats

I

Deixou-nos no pico do Inverno:
Os ribeiros gelavam, os aeroportos quase desertos,
E a neve desfigurava as estátuas;
O mercúrio mergulhava fundo no poço do dia que se fechava.
Os instrumentos que temos concordam
O dia da sua morte foi um longo dia de frio.

Longe da sua doença,
Os lobos corriam sem parar por florestas perenes,
O rio campestre não se deixava tentar pelos mais elegantes cais;
Por línguas lutuosas,
A morte do poeta foi afastada dos seus poemas.

Mas para ele era a última tarde como ele próprio,
Uma tarde de enfermeiras e rumores;
As províncias do seu corpo revoltadas,
Os ângulos da sua mente vazios,
O silêncio invadia os subúrbios,
A corrente dos seus sentidos falhava; tornou-se os seus admiradores.

Agora está espalhado por centenas de cidades
E totalmente abandonado a afectos desconhecidos,
Para encontrar a felicidade noutro tipo de madeira
E ser castigado por um código de consciência estranho.
As palavras de um morto
São mudadas nas vísceras dos vivos.

Mas na importância e ruído de amanhã,
Quando os corretores roncarem como animais no chão da bolsa,
E aos pobres couber o sofrimento a que estão razoavelmente habituados,
E cada um na sua cela estiver quase convencido da sua liberdade,
Uns milhares vão lembrar-se deste dia
Como se recorda um dia em que se fez qualquer coisa de ligeiramente invulgar.

Os instrumentos que temos concordam
O dia da sua morte foi um longo dia de frio.


II

Eras tolo como nós; o teu dom sobreviveu a tudo:
A paróquia das mulheres ricas, a decadência física,
Tu próprio. Essa louca Irlanda levou-te pela dor à poesia.
Agora, a Irlanda ainda tem a sua loucura, o mau tempo,
Porque a poesia não faz acontecer nada: sobrevive
No vale do seu fazer, aonde os executivos
Nunca se atreveriam a ir, segue para sul
De ranchos de isolamento e de atarefadas dores,
Cidades cruas em que acreditamos, em que morremos; sobrevive,
Um modo de acontecer, uma boca.


III

Terra, recebe um convidado de honra:
William Yeats descansa deitado.
Deixa a barca irlandesa vogar
Despojada sua poesia.

No pesadelo do escuro,
Todos os cães da Europa ladram,
E as nações vivas aguardam,
Cada uma sequestrada no seu ódio;

Em cada face humana,
A desgraça intelectual olha,
Os mares da piedade
Restam, fechados, congelados em cada olhar.

Segue, poeta, segue a direito
Até ao fundo da noite,
A tua voz ilimitada
Ainda nos exorta a rejubilar;

Com a lavoura de um verso
Formas a vinha da maldição,
Cantas o insucesso humano
No arrebatamento da angústia;

Nos desertos do coração,
Deixas brotar a fonte da cura,
Na prisão dos seus dias
Ensina ao homem livre o louvor.

- W.H. Auden
(tradução de Hugo Pinto Santos)

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