segunda-feira, julho 16, 2012

Miséria da poesia

A lenta concepção de uma metáfora
ou apenas esse tremor que às vezes resta
depois de se ter escrito alguns versos,
justifica uma vida? Eu sei que não.
Mas também não ignoro que, não contendo
a chave da existência, essas palavras
dirão que quem as dispôs na sua harmonia
soube ordenar o mundo. Isso basta?
Os anos vão passando e eu sei que não.

Há algo de grandioso nesta luta
e de um certo modo tenho
a difusa certeza de que existe
um verso que contém esse segredo
trivial e abominável da rosa:
a beleza é o rosto da morte.
Se encontrasse esse verso seria suficiente?
Talvez não. A sua verdade seria tanta
que fosse possível criar um mundo, para dar
uma cor nova à noite e à lua
um anel de fogo, e uns olhos
e uma alma a Galateia, e mares
de neve aos desertos? Eu sei que não.

- Felipe Benítez Reyes
in Libros de Poemas, Visor

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